Notícia

Será que a Internet pode nos ajudar a fazer o luto?

Ensaio clínico feito por investigadores das universidades do Minho e de Memphis

20 de julho, 2015
Luto
Quando perdemos alguém muito próximo. Tudo fica de pernas para o ar, inclusive a própria história da vida. A perda torna-se a narrativa dominante. É como se a dor tivesse secado todo o resto. Que fazer?
Daniela Alves, doutorada em psicologia clínica pela Universidade do Minho, dedica-se à intervenção no luto. Especializou-se no “modelo construtivista de reconstrução de significados após a perda” inventado por Robert Neimeyer, professor da Universidade de Memphis, nos Estados Unidos.

Já trabalhou muito com pessoas frente-a-frente – foi responsável pela consulta de luto na unidade de adultos do Serviço de Consulta Psicológica e Desenvolvimento Humano da Universidade do Minho durante quatro anos. Prepara-se para fazê-lo pela Internet – na consulta do luto online desta instituição de ensino superior. Não está sozinha. Da mesma equipa fazem parte Miguel Gonçalves, catedrático da universidade, Inês Mendes e Joana Silva, doutoradas pelo mesmo estabelecimento, e João Baptista, licenciado. Todos treinados por Robert Neimeyer.

Estudos feitos nos Estados Unidos da América “mostram que a população em luto utiliza muito a Internet para perceber melhor a história da perda, procurar ajuda”, diz a investigadora. A equipa não conhece investigações semelhantes em Portugal, mas observa que “há uma adesão cada vez maior às novas tecnologias”. As vantagens parecem-lhe evidentes num país que se esvazia e envelhece. “Sem sair de casa, num local onde se sintam confortáveis, as pessoas podem ter acesso a ajuda especializada”, resume.  E gratuita, já que o ensaio clínico tem financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

A equipa usará o modelo assente na terapia construtivista de reconstrução de significados após a perda que já testou nas consultas presenciais. “Claro que não é igual, mas queremos perceber qual o impacto e qual é a eficácia”, sublinha Daniela Alves. Inspira-a “o facto de noutros países este programas estarem a ter eficácia e permitir abarcar ou apoiar um número de pessoas que de outra forma não teriam apoio.”

As experiências internacionais são diversas. Uns utilizam apenas correio electrónico, outros mensagens escritas instantâneas, outros ainda comunicação de  voz e vídeo. Não é obrigatório ter uma equipa de terapeutas: um profissional de saúde pode sugerir módulos predefinidos – um conjunto de exercícios fundamentados em modelos terapêuticos para ajudar a pessoa a fazer o luto.

“Os vários programas mostram resultados positivos com diferentes combinações”, torna Daniela Alves, que despertou para o luto muito jovem, ainda em Melgaço, ao perder a bisavó. “O que temos visto é que quando o terapeuta é envolvido, mesmo no contexto online, os resultados são melhores.”

O programa da Universidade do Minho assenta no contacto visual entre terapeuta e paciente. São 12 sessões de 55 minutos via Skype complementadas por email. “O uso do email será mais orientado para as actividade entre sessões”, explica. A pessoa pode, por exemplo, escrever sobre algo que tenham começado a conversar na sessão anterior ou que sirva de ponto de partida para a sessão seguinte.

A especialista explica o modelo terapêutico. No seu dia-a-dia, o ser humano cria narrativas que o ajudam a atribuir sentido ao que lhe vai acontecendo, a entender-se, a entender os outros, a entender o mundo. A morte de um ente querido pode provocar um corte com o que acredita, com o que prioriza, com o olhar que deita ao mundo. De um momento para o outro, já não sabe bem quem é, nem o que faz aqui, nem que lugar pode atribuir à pessoa que acaba de perder.

“Muitas vezes as pessoas que chegam à terapia com uma história de luto intenso e prolongado estão num impasse, não sabem que significado dar àquela perda, que por vezes faz com que a sua vida seja completamente contrária ao que imaginaram”, esclarece Daniela Alves. Precisam de ajuda para reconstruir a sua própria narrativa e, assim, assimilar a perda, dar-lhe um sentido.

Os cinco terapeutas recorrerão a um conjunto de técnicas. Havendo, por exemplo, situações não resolvidas com a pessoa que partiu, poderão reabrir-se ao diálogo, no sentido metafórico. Isto para tentar reconstruir significados num contexto em que a pessoa tem oportunidade de dizer o que ficou por dizer.

A equipa não está a sentir dificuldade em encontrar participantes. Já há inscritos. Chegam à página electrónica depois de terem lido um artigo na imprensa ou de terem sido encaminhados por entidades como o Instituto Português de Oncologia. As consultas só começam em Setembro. Na plataforma – www.consultaluto.com – há uma área reservada para marcação de consultas. É sugerido aos interessados que façam uma breve descrição da perda que os leva a pedir ajuda. Segue-se um contacto de email para agendar uma primeira sessão.

Diz a especialista que o luto tem tanto de pessoal como de cultural. “A cultura pode agravar ou facilitar o luto”, enfatiza. Quem tem bom suporte familiar ou social pode lidar melhor com a perda, “ter uma experiência de luto mais saudável”. Facilita pertencer a uma família em que cada pessoa tem espaço para a sua experiência de luto. Facilita, por exemplo, validar o chorar, validar o falar da pessoa que partiu, validar a necessidade de perceber o lugar que lhe pode ser dado em casa, sem que se tenha de deixar de falar nela. Dificulta quando os familiares exigem que não fale, que não chore, que não expresse dor em público. A pessoa tem de se isolar. Não encontra espaço na família para, em conjunto, lidar com a perda.

A sociedade também interfere. Amiúde, quem está de luto sente o julgamento alheio. Vestir ou não preto, ir ou não ir a festas, por exemplo. Há quem se vista de preto porque para si o preto significa dor. Pode ser-se censurado por vestir preto quando a sociedade julga que já passou tempo de mais, ou por já não se vestir preto quando a sociedade pensa que ainda não passou tempo suficiente.

Há uma carácter privado e pessoal de viver o luto. Cada pessoa tem o seu próprio processo, o seu próprio tempo. Depende da sua personalidade, da sua cultura, da relação que tem com a pessoa que perdeu. Que ninguém lhe diga que não deve chorar, que não deve estar assim, que tem de ultrapassar.

Fonte: publico.pt por

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